Apresentação por Mônica Hoff (Pivô Pesquisa), 2023
Escrita, ouvida, olhada, gritada, em silêncio ou como ficção; picotada, cortada, compositora de imagens ou lançada como confete – a palavra ocupa lugar importante na prática de Marina Dubia. Em seu trabalho, ela é o elemento que cria as relações. É a palavra que, estrategicamente escondida ou superlativa, arma o truque, propõe o jogo, dirige a cena.
Artista visual, editora, escritora e tradutora, em sua residência no Pivô, além de um mergulho profundo em pesquisas e projetos mais antigos, Dubia se lançou com obstinação a algo que passou a incorporar à sua prática artística mais recentemente: a dança. E a partir dela, a performance.
Em Desabar / To fall over, projeto apresentado pela primeira vez em junho deste ano no Overgaden, em Copenhagen, e sobre o qual vem se debruçando nos últimos meses, a artista toma o carnaval como campos político, poético e estético. Por um lado, aborda materialmente seu caráter festivo ao coreografar um bloco de carnaval em que um grupo de pessoas dança pelas ruas da capital dinamarquesa ao som de uma batucada enquanto joga confetes para o alto, gerando por si só uma espécie de espaço imantado. Por outro, produz uma torção sutil, quase imperceptível, mas extremamente aguda, no aspecto celebrativo do evento –que remete à alegria, a liberação das corpas e ao direito ao espaço público– ao fazer uso de confetes que, na contramão das tradições romana, parisiense ou mesmo brasileira, não são feitos de papéis dourados ou brilhantes, mas picotados de matérias de jornal e outros meios de comunicação que noticiam sobre violência, exploração, colapso climático, decisões políticas e relações internacionais, deixando a ver o quão frágeis e paradoxais são as políticas globais de bem-estar e o quão vigente segue sendo o regime colonial e suas pedagogias do poder.
[À exceção do público “da arte”, que acompanhava a performance, poucos ou nenhum passante seguiu o bloco. O apelo à festa não foi ouvido em Copenhagen –nem como lugar de prazer nem como oportunidade de revolta ao status quo.]
Como último ato da performance, uma batalha de confetes na galeria do Overgaden. Abusando dos estereótipos relativos ao carnaval e tensionando-os, um a um, o que começa como uma continuação do que foi vivido na rua, logo se transforma numa batalha afrontosa, em que os confetes lançados, já não mais para o alto, mas entre os participantes, materializam-se como dispositivos de redistribuição da violência. Silenciosamente eles gritam. E gritam alto.
Ao fazer da ambiguidade um método, a artista nos convida a habitar as contradições que nos conformam como sociedade. Expande aquilo que até então era da ordem do crível a uma dimensão crítica, nos provocando a um mergulho em nossas próprias entranhas.
Marina Dubia diz que não escreve mais. Mas isso não significa que ela não saiba muito bem o que fazer com as palavras.
Marina Dubia é artista residente do Ciclo II do Pivô Pesquisa 2023.